Viver é um processo de interação
contínua e de exploração da realidade que está diante de nós. Sendo assim,
aquilo que se apresenta e aparece diante de nossos olhos como real, nem sempre
é de óbvia interpretação, encobrindo contextos mais complexos do que
imaginaríamos, principalmente sob a superfície. Tampouco, significa isso dizer
que não possamos identificar os elementos subjacentes de tal fenômeno.
Que o assédio moral é um tipo de
abuso tão antigo quanto o homem, não se discute, no entanto, nem sempre sua
identificação (em termos de fatores) é tão simples, daí porque se dizer que é subjetivo.
Inúmeras teorias dos especialistas emergem a cada momento e me permito levantar
as minhas hipóteses, muito menos pra estabelecer um grau de informação
científica, muito mais para suscitar em você a discussão sobre o tema.
Pra fazer isso gostaria de
utilizar os recursos da ficção científica para criarmos um contexto que nos
possibilite explorar as inúmeras possibilidades que o fenômeno assédio moral pode
assumir.
Dessarte, façamos uma viagem no
tempo e para isso utilizaremos uma nave que tomarei emprestado do Doctor Who- a
TARDIS; A programarei para que nos leve alguns anos antes da década de 70, precisamente
em 1964, quando se instalou o golpe militar que destruiu a democracia da época
e que tecnicamente se denomina “revolução”; tratando-se, por conseguinte, de
uma ruptura contra uma estrutura político/ jurídica e o surgimento de uma nova
realidade Estatal pelo grupo dominante- os militares apoiados pela elite
econômica, mega-organizações estrangeiras e a participação decisiva do Governo
norte americano, à época.
Pois bem, segure-se porque
acabamos de entrar em um buraco de minhoca que romperá o tecido do tempo/
espaço e, em instantes, aterrizaremos na Santos daquela época (importante e
estratégica por conter o maior porto sul-americano do país).
Pronto, chegamos! Logo que abrimos
a porta da Tardis, surgiu diante de nós uma escola infantil chamada Passos Sobrinho, sendo que a primeira imagem que vimos foi a de dezenas de crianças, perfiladas,
cantando o hino nacional brasileiro, diante da Bandeira hasteada como se fossem
pequenos soldadinhos.
Para os militares, uma parte
importante do processo de tomada do poder era condicionar a grande massa para
que agissem de forma servil às suas intenções, portanto, reformaram todo o
sistema educacional que, entre outras coisas, abolira os conteúdos de cunho
sociológico e filosófico do plano de ensino, ao passo que criaram disciplinas
doutrinadoras de sua “ideologia”. Pois assim conseguiram formar verdadeiros
rebanhos que hipnotizados pelos veículos de mídia comprometidos com o regime
eram induzidos à alienação da verdadeira realidade que se impunha.
Aqueles que não aderiam à manipulação
da propaganda militar ganhavam rótulos de subversivos e sofriam com torturas,
abusos e homicídios. Então, de um lado, o cidadão comum tinha o medo e, do
outro, o controle mental. É nesse caldo caótico que aparece um dos personagens
que integram o universo do assédio moral: o “capanga”- como os denomino. O
termo é antigo, mas é o que me veio à mente para tentar descrever um perfil
chulo.
Não é preciso muita massa
encefálica pra deduzir que tipo de gente demonstrava sua verdadeira natureza
num ambiente desses, pois a história grassa em apresentá-los em todos os
tempos. E, meu amigo (a), eles brotavam da terra. É o bom e velho adulador, um
verdadeiro senhor do tempo, pois onde tenha existido um agrupamento, lá estava
ele afagando algum tiraninho.
Para entendermos mais o que
acontece na mente quando submetida a estímulos, como os da ideologia ditatorial,
precisamos recorrer a forma como o cérebro constrói sua própria arquitetura.
Segundo
Piaget, uma criança em processo de desenvolvimento e aprendizagem forma
estruturas neurais que vão se sofisticando à medida que cresce e se desenvolve.
Todavia, ela não possui as referências que os adultos possuem, logo, sua lógica
difere da deles.
Daí, o que ela faz é acomodar a nova informação adaptando-a as
suas referências e, a partir daí, vai criando toda uma acomodação do
significado da realidade que lhe permitirá interagir com o meio. Ou seja,
estabelece-se um ciclo de estímulo-resposta-reação e, consequentemente,
estruturação neural- daí o termo “Construtivista” relacionado ao Biólogo/
psicólogo suíço.
Mas, por que a Tardis nos levou
até aquele momento? Ao que parece ela fez uma conexão com o processo de “condicionamento
orientado” que os militares impunham à população, cujo conhecimento derivava da
formação que recebiam da Escola das Américas idealizada e implementada pelo
Governo dos EUA (através da CIA) em programas específicos para a América do sul,
daquele período, como a Operação Condor, por exemplo, incluindo o investimento
numa Rede de TV brasileira por meio de outro grupo de comunicações, uma prática
antiga da Agência Central de Inteligência; Esta TV posteriormente viria a se
tornar um Poder à parte no país- criada exatamente para estabelecer uma catarse
coletiva.
Bem, depois de tudo isso, entremos
na Tardis e voltemos para a atualidade, longe de toda aquela turbulência, das
botinas e carabinas dos policiais militares, das prisões e mortes arbitrárias
dos porões da ditadura e de toda censura que cerceava nosso direito à
informação. Desta vez pararemos próximos da escolinha infantil, mas não em
frente a ela. Não se esqueça de se segurar porque atravessar a relatividade
espaço-temporal será uma jornada turbulenta.
Pronto, chegamos! Ufa! Agora o
que temos diante de nós é a imagem de uma empresa onde pessoas entram e saem, não
obstante, algo não se encaixa bem nela. Ao andar por seus setores vemos móveis antigos,
do passado do qual voltamos, dando a sensação de que não chegamos ainda ao
presente.
Ali, funcionários repetem tarefas sem sentido como se estivessem nos
anos 70 do século passado. De repente, aliviados, vemos terminais de
computadores que parecem não se acomodar muito bem àquele ambiente.
Mas, a relatividade quântica deste
universo paralelo nos deixa aterrorizados, pois ao chegar perto das pessoas
elas têm uma aparência bizarra, lembrando, pra falar a verdade, um dos
personagens do filme Piratas do Caribe, pai do personagem Will Turner, isso
mesmo, o Sr Bill Turner, que para pagar uma dívida com o pirata do outro mundo
tornou-se escravo no navio fantasma e...criou incrustações por todo o corpo.
Como criaturas sem vida, mas
vagando em um limbo, tais pessoas repetem irracionalmente tarefas que não
contêm a menor racionalidade, isto é, sem a menor eficiência, desconexas a
qualquer forma de fim útil, simplesmente fazendo por fazer, burocraticamente,
como se fossem obrigados a isso pelo poder que os amaldiçoara pela eternidade naquela
dimensão fantasma.
Suas expressões são características
denotando frustração, enfado, fracasso, pesar, ódio, medo, rancor,
ressentimento e, se, por algum motivo, se sentirem confrontados iniciam uma
guerra pessoal contra aquele que passará a ser o seu inimigo. É que
assombrações não aceitam o questionamento daquelas de suas ações, ainda que inúteis.
Agem e reagem desproporcionalmente, senão não seriam o que se tornaram.
Tais pessoas condicionadas estão
acorrentadas em um comportamento que não lhes permite recorrer às suas
consciências e à sua razão visto que foram programadas, lá atrás, a serem
estéreis e não podem desta forma utilizar seu livre arbítrio para agir coerentemente.
Você se lembra delas: estavam de cara emburrada cantando o hino do Brasil em
fila indiana na escolinha infantil. Pense: a escola lhes impunha aquilo que
chamavam de “valores”.
De fato, é até possível constatar
que são pessoas de “bem”, seja lá o que isso quer dizer, mas incapazes de, por
exemplo, dizer um “não” a ordens absurdas ou baseadas no arbítrio/ capricho do gestor
assediador.
Perceba que suas mentes
cauterizadas se petrificaram pelo tempo em que foram expostas ao arbítrio
daqueles que rejeitam as liberdades democráticas e a nova ordem que surgiu
desde 1988 com o advento na nova Constituição brasileira. De fato, eles se incrustaram
ao passado e não aceitam os ventos das mudanças, que, aliás, começaram a quase
trinta anos. Eles são avessos a princípios como o da legalidade, Isonomia,
Devido Processo Legal, Dignidade da Pessoa Humana, embora em seus discursos vazios
afirmem serem escravos da lei. O que, se pensarmos bem é uma contradição já que
a lei estabelece o limite (Direitos e Garantias) do poder e não a sua extensão,
logo, não faz sentido ser um escravo dela.
Em lugares assim, ainda prevalece
a ideia de coronelismo, onde alguém que é indicado politicamente para assumir
um cargo, vislumbra oportunidades de enriquecimento ilícito e passa a lotear
aquilo que é de interesse público o que, consequentemente, viola os interesses
da Nação. Acontece que nenhum ditadorzinho que se preze trabalha sozinho e
precisa do seu capataz de plantão pra sujar as mãos por ele. Ora, quem mais
seria perfeito que o nosso burocratazinho!
O que a Tardis quis demonstrar
com toda aquela viagem pelo tempo foi que tudo tem uma conexão, uma relação e,
nada, na verdade, ocorre ao acaso. O subjetivismo, na verdade, é o
acobertamento, a dissimulação, o engodo que se pratica em nome da
calhordisse. A máquina do tempo nos
mostrou que o que fazem estes alienígenas, é reproduzir os mesmos atos pelos
quais foram condicionados por seus senhores.
O que temos que imaginar é que
sob a superfície dos atos se encobre as intenções de grupos que pretendem
subjugar outros pra que lhes sirvam. E, ainda que nos afeiçoemos a eles a
recíproca não será verdadeira, pela simples razão de que não estão dispostos a
uma partilha, mas como parasitas infectos querem devorar sozinhos tudo o que
conseguirem e, com isso, não aceitarão os que atravessam o seu caminho...onde surge
uma das muitas entre tantas faces do assédio moral.
Ora, se para entendermos a
realidade que nos cerca precisássemos toda vez entrar em um dispositivo que
fizesse a conexão com os fatos e nos levasse de volta às origens de tudo
perderíamos o contato com a realidade que se nos apresenta no presente.
Entretanto, temos a melhor máquina de todas para entender o que ocorre,
bastando pra isso que a consultemos: nosso cérebro- e a energia que alimenta
esta máquina de percepções? Nossa devida atenção! Dado que somente desta forma
poderemos decodificar o que acontece diante de nós, sobretudo,
nas entrelinhas, incluindo aí, o assédio moral.
nas entrelinhas, incluindo aí, o assédio moral.
Comentários
Postar um comentário