Totalitarismo (ou regime
totalitário) é um sistema político no qual o Estado, normalmente sob o controle
de uma única pessoa, político, facção ou classe social, não reconhece limites à
sua autoridade e se esforça para regulamentar todos os aspectos da vida pública
e privada, sempre que possível. O totalitarismo é caracterizado pela
coincidência do autoritarismo (onde os cidadãos comuns não têm participação
significativa na tomada de decisão do Estado) e da ideologia (um esquema
generalizado de valores promulgado por meios institucionais para orientar a
maioria, senão todos os aspectos da vida pública e privada).
Fonte: C.C.W. Taylor. “Plato's Totalitarianism.” Polis 5 (1986): 4-29.
Reprinted in Plato 2: Ethics, Politics, Religion, and the Soul, ed. Gail
Fine (Oxford: Oxford University Press, 1999), 280-296.
De acordo com essa
definição tanto faz fundamentar através do exemplo da Alemanha Nazista quanto
do Brasil sob o golpe de 64, pois ambos apresentam as mesmas propriedades e, de
fato, guardado as devidas proporções, praticaram os mesmos atos de barbárie contra a humanidade, no entanto, aquele o praticou contra
inúmeros povos e nações, já este o fez dentro de seu próprio domicílio territorial.
Mas o que eu gostaria mesmo de chamar a atenção é para o sentido que o mal adquire dentro desta configuração
burocrática e sistemática, onde regras e normas são deturpadas, ou melhor,
destituídas de valor e onde o legalismo adquire um status neutralizador da consciência
levando seus elementos humanos a deixar de pensar tornando-se desta forma
idiotas programados. A coisa é tão complicada que desgastados nos vingamos fazendo piada da situação.
A primeira vez que se deu
conta e se identificou um tipo de mal destituído dos estereótipos clássicos foi por volta dos anos 1960 pela filósofa Hanna Arendt por conta do julgamento
do criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann.
Perplexos, os envolvidos em
tal processo ficaram atônitos com as declarações do criminoso que não admitia a
culpa por seus atos sob a afirmação de que cumpria ordens. Sistemático e
eficiente era o responsável pela logística de deportação dos judeus aos campos
de concentração com destino certo: alimentar a máquina de morte do Fürer.
Investigações apontaram
que Eichmann era o protótipo do homem moral- Bom pai e marido, excelente
funcionário público, irmão zeloso, enfim...um homem de bem. Hanna Arendt quando
identifica este perfil fica chocada, pois se esperava encontrar um monstro
degenerado, um psicopata frio e perverso, um antissemita radical, mas não!
Isso, no entanto, é mais assustador do que a ideia de um mal radical, pois se
origina de pessoas comuns, incapazes de se conscientizar de seus atos, entorpecidas pelas regras do sistema ou de ordem moral do grupo em que se
encontram.
Foi nesta época que, pela primeira vez, Hanna
Arendt cunha o termo "banalidade do mal" como sinônimo da
aceitação irracional e tida como normal de atos de maldade humanas.
Hannah Arendt afirma que
banalidade não significa uma bagatela nem uma coisa que se produza
frequentemente (Souki, 1998, p. 103). Arendt distingue banal de lugar-comum (Assy,
2001a, p. 143). Lugar-comum diz respeito a um fenômeno que é comum, trivial,
cotidiano, que acontece com frequência, com constância, com regularidade.
Banal, por sua vez, não pressupõe algo que seja comum, mas algo que esteja
ocupando o espaço do que é comum. Um ato mau torna-se banal não por ser comum,
mas por ser vivenciado como se fosse algo comum. A banalidade não é normalidade,
mas passa-se por ela, ocupa indevidamente o lugar da normalidade. “O mal por si
nunca é trivial, embora ele possa se manifestar de tal maneira que passe a
ocupar o lugar daquilo que é comum.”
Percebi isso em pelo menos
dois episódios neste ano. Um por ocasião de manifestações contra o atual governo- originária de grupos reacionários, contrários aos parâmetros constitucionais e,
que manipulam a opinião pública por meio das redes sociais, deflagrando o ódio
como ideologia, querendo se impor pela ilegitimidade. E outro momento veio de
dentro da empresa pública onde trabalho e que deflagra um processo exaustivo de
assédio moral que se utiliza dos mesmos mecanismos totalitários que os
nazistas utilizaram para exterminar judeus.
Com roteiro e personagens
completos tenho o privilégio (?) de experimentar na pele as teorias de Arendt.
O curioso é que quando se olha pras pessoas envolvidas surge a estranha
sensação de que o que fazem é oriundo de uma mente perversa, mas após tanto
tempo e confrontando os discursos chego à conclusão de que são apenas
burocratas idiotas, incapazes de reagirem por si mesmos, presos em algemas (que
chamam de doutrina) e, conforme me disse certo chefe, são escravos das regras.
Dia desses, e de forma surpreendente,
um chefe esteve em meu posto e solicitou um momento pra conversarmos. Quero
registrar aqui um elogio à atitude, cujo resultado proporcionou por meio de uma conversa franca o esclarecimento de pendências decorrentes desta bola de neve que se
tornou tal processo. Aliás, há um desgaste mútuo e a manifestação de saturação
de ambas as partes- o que prova que o assédio moral não é bom pra ninguém, nem
mesmo pra quem o deflagra. Como resultado se percebeu que
tudo se originara da manipulação do sistema e que por falta de comunicação a
coisa perdeu o controle e ganhou vida própria- não quero dizer, com isso, que o
que se fez está justificado, mas demonstrar que quando se deixa de refletir ou
de se confrontar os personagens e seus discursos pode-se criar um circuito que se
auto alimenta.
Entre os exemplos mais
emblemáticos que identifico na banalização do assédio moral que ocorre comigo
está o de um dos elementos que compõe tal sistema que apresenta as mesmas características
de Eichman. Essa pessoa sintetiza bem o mal idiotizado e irracional, pois, se
num primeiro momento confunde, no outro, as peças se encaixam perfeitamente
dentro das ideias de Arendt.
Com vozinha doce, gestos
delicados, sorriso no rosto e ar angelical você diria estar diante de um anjo e
não de uma burocrata incapaz de pensar por si própria. Fora me dito que ela é uma
escrava das regras como se isso justificasse ou a tornasse menos culpada. Pelo
contrário, já que a própria lei, ou melhor, o Princípio da Legalidade afirma que
ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer nada a não ser por lei; No
entanto, essa pessoa encabeçou um processo administrativo onde as provas foram
fraudadas para me prejudicar e me fora dito que ela seguia ordens.
Então, veja você, que mesmo
uma pessoa dada como “boa”, no sentindo moral do termo, pode vir a cometer
injustiças nefastas e sequer ter a consciência afetada por isso, pois segundo
ela- “seguia ordens”- e, como diz o jargão: “Manda quem pode, obedece quem tem
juízo!”...estaria tudo certo adotar qualquer atitude (legítima ou não). Aliás, quem utiliza jargões como proposições argumentativas, não somente incorre em erro lógico (já que jargão não é nem proposição nem argumento) como demonstra uma extrema e enferma preguiça de pensar por si mesmo.
Dito isto, concluímos que
temos uma nova categoria de assediador que não se pensava existir: o do idiota
burocrata que não é mal, na acepção da palavra, mas que faz o mal, na prática; e, nem se dá conta disso, pois o faz por ser programado. Não tem
personalidade, vida própria, capacidade de resistir à ordem ilegal, enfim, uma
marionete nas mãos daqueles que manifestam uma patologia perversa, o que,
convenhamos, não alivia em nada a gravidade dos fatos e, na prática, é outra versão de uma mesmíssima
coisa.
Perceba você, que é leitor
deste Blog, como é difícil lidar com isso, sobretudo, quando se vai ingressar
com ações judiciais, pois lá, é tudo muito formal, escrito, dito e depende do
convencimento do juiz- que deveria ser imparcial, ler tudo que está contido na argumentação de defesa e, o
que é pior, ter em suas mãos a decisão sobre algo que afeta uma pessoa que
sofre tal agressão.
De qualquer forma, se descobre novas facetas do mal que não
se sabia existirem; percebe-se que há sim, uma institucionalização da
perversidade (que é eficiente) e que, da mesma forma que ocorreu com os exemplos
de totalitarismo, é uma luta que se trava nas trincheiras do dia a dia.
Assista: Eichman: a solução final
Raniery
Assista: Eichman: a solução final
raniery.monteiro@gmail.com
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