Stress, depressão, estafa, assédio sexual, assédio moral, bullying. Há poucas gerações, ninguém falava nisso. As reações e atitudes emocionais no ambiente de trabalho, entre colegas ou individualmente, foram ganhando nome e significância com o advento da era da informação. Isso porque se antes o mundo era mais industrial e os funcionários mais executores, ele passou a ser informacional e os trabalhadores “hospedeiros” do conhecimento. Essa mudança cultural valorizou a preocupação com a saúde mental e, consequentemente, física dos colaboradores.
Para garantir a qualidade de vida aos subalternos, as empresas passaram a preparar as chefias no sentido de investir em conhecimento e qualificação profissional tanto quanto em sua saúde mental. Entre esses treinamentos está o combate ao assédio moral. Confira a entrevista abaixo, com o jornalista, psicólogo e estudioso em assédio moral, Arthur Lobato, e veja porque o combate a essa prática ainda não chegou ao serviço público da mesma forma que nas empresas privadas.
Expressão SINJUS: O assédio moral sempre existiu ou é um problema dos tempos modernos?
Arthur Lobato: O que sempre existiu foi a exploração dos trabalhadores e a necessidade deles se organizarem para garantir seus direitos. A década de 1990 trouxe novos paradigmas para o mundo do trabalho – novas tecnologias, fusões entre grandes corporações, redução do número de trabalhadores. A produtividade e a competitividade cada vez maior entre as empresas se refletem na organização do trabalho. Exigem que o trabalhador seja flexível, fazendo várias atividades e exercendo várias funções. Estar on line e disponível à empresa 24 horas por dia. Então, temos no trabalhador atual um desgaste emocional e psíquico muito grande, aliado ao medo do desemprego, aos baixos salários, e vivenciando mais uma crise do sistema capitalista neoliberal. O assédio moral perpassa a organização do trabalho como um componente destrutivo, um mal invisível no local de trabalho. As humilhações, injustiças, perseguições, o autoritarismo, os maus tratos no trabalho sempre existiram, mas o conceito do que é assédio moral no trabalho, definido por Marie France Hirigoyen, “conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho” é uma conquista da classe trabalhadora para sua própria defesa, pois denuncia o mal estar na organização do trabalho. O conceito de assédio moral é científico, ou seja, sua relação de causa e efeito (assédio e adoecer) é igual em uma empresa no Brasil, na Índia ou França, pois vivemos uma economia em que o trabalho é globalizado. Diferente do conflito, que é explícito, o assédio moral é feito de forma oculta, o discurso é ambíguo ou há uma recusa à comunicação, surge um “não dito”, as mensagens são omitidas e informações são de duplo sentido. E as humilhações sistemáticas buscam quebrar a resistência do trabalhador, criando dúvidas, afetando sua auto estima; afinal, no assédio moral, há transformação de um sujeito em um objeto, descartável.
E.S.: Por que ela está tão em voga agora? Aumentou a frequência dessa prática ou das denúncias?
A.L.: Hoje se exige um trabalhador qualificado, com cursos superiores, domínio de informática e de outra língua, para pagar pouco mais de dois ou três salários mínimos. Este trabalhador cumpre seus deveres, mas, além de seus direitos, quer respeito no ambiente de trabalho. Por isso, o número maior de denúncias, fruto de uma conscientização dos direitos do trabalhador, e a certeza de que temos de dar um basta à humilhação, ao autoritarismo e à prepotência de chefias. Atualmente o debate foi ampliado pelos sindicatos e pelas universidades, que têm pesquisas acadêmicas com suporte teórico que comprovam o adoecer do trabalhador por causa do assédio moral. E não podemos esquecer: o que está em jogo é a dignidade do ser humano.
E.S.: Por que uma pessoa tem a necessidade de assediar moralmente?
A.L.: O que está em jogo no assédio moral é uma relação de poder, onde o mais forte não se satisfaz em simplesmente mandar; ele tem que humilhar o outro, como forma de exercer domínio sobre a vítima. Mas este autoritarismo existe porque há uma organização do trabalho que permite o assédio moral, seja por omissão ou por ser uma estrutura rígida, hierárquica, burocrática e autoritária, onde o assédio ocorre porque foi permitido e até mesmo incentivado.
E.S.: A prática de assédio moral pode ser considerada uma doença?
A.L.: O assédio moral no trabalho é um processo perverso, intencional onde, por meio de atos repetitivos, busca-se desmoralizar, desqualificar, humilhar um trabalhador para desmotivá-lo, criando uma imagem de incompetente. Mas essas ações são realizadas de forma oculta e dúbia, com discurso ambivalente, dando margem a dúvidas e insegurança na vítima, que aos poucos introjecta o discurso do agressor e se sente incompetente, incapaz de executar o trabalho. Assim, ele adoece ou abandona o emprego; ou ainda, desenvolve uma incapacidade laborativa. Em muitos casos, o assédio pode levar à depressão e até mesmo ao suicídio.
E.S.: O assédio moral é mais cometido em órgãos públicos ou em empresas privadas?
A.L.: Na empresa privada, o trabalhador tem a proteção da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), da Justiça do Trabalho, da SRTE (Superintendência Regional do Trabalho e Emprego), do MPT (Ministério Público do Trabalho), instâncias nas quais ele pode recorrer para exigir seus direitos. Nos órgãos públicos, há uma “caixa preta” em relação à saúde dos servidores. Enquanto dados do INSS atestam a gravidade dos problemas envolvendo a saúde mental dos trabalhadores, não há divulgação dos núcleos de saúde do setor público sobre o adoecer do trabalhador. Pesquisas são boicotadas, dados não são fornecidos para análise - mas o adoecer do trabalhador por causa do assédio moral é um tema recorrente nas denúncias aos sindicatos. Por isso, foi importante a aprovação, este ano, em Minas Gerais, da lei que combate o assédio moral na administração pública estadual. Mas cabe aos sindicatos fazer valer os mecanismos contidos na lei para combater esta prática degradante.
E.S.: As empresas privadas desenvolveram uma preocupação maior com a prevenção?
A.L.: As empresas privadas querem se resguardar das decisões trabalhistas, que geram multas ao serem responsabilizadas pelo assédio moral. Por isso, como primeira providência, demitem o assediador. Para agir, este precisa do apoio da direção da empresa ou instituição, seja por omissão ou incentivo a práticas autoritárias como forma de domínio e coerção psicológica dos trabalhadores. No assédio moral, a vítima, antes de tudo, quer o resgate de sua dignidade, enquanto a empresa busca desqualificar a tese de que houve assédio moral para evitar multas. Em algumas empresas são criados manuais de ética e até mesmo seguro contra assédio moral. Os sindicatos estão avançando na luta contra essa prática, cláusula que já faz parte dos acordos e convenções coletivas de trabalho.
Muitas empresas já perceberam que a prevenção, o diálogo e o ambiente de trabalho saudável são essenciais para a saúde do trabalhador. O adoecer do funcionário representa o adoecer de uma empresa ou de uma instituição. E cabe a todos nós lutarmos por um ambiente saudável no trabalho, afinal, o que todos queremos é trabalhar com dignidade e nunca adoecer por causa do trabalho.
Acho que tanto quanto os funcionarios públicos, os funcionários de instituições privadas sentem-se igualmente desamparados. Entretanto o funcionário da empresa privada não pode contar com a estabilidade, sendo assim descartado descaradamente, não vindo ao caso, se este encontra-se inteiro ou aos pedaços. Simplismente descarta-se!
ResponderExcluirInfelizmente essa é a dura realidade da grande maioria dos assediados no Brasil.