Por incrível que pareça isso não é coisa nova, mas acompanha o homem desde que decidiu se organizar em grupos sociais e trabalhar. Então, por que é um assunto tão desconhecido, ou melhor, somente agora decidiram discutí-lo? Na realidade tudo gira em torno de sua intensificação e banalização descaracterizando seus fatores como inerentes ao universo laboral. É como se tudo fizesse parte de um contexto que se deveria aceitar.
Muitos imaginam que o termo deriva do meio jurídico, porém foi o resultado de estudos científicos, inéditos, até então, no âmbito da psicologia e os principais expoentes destas pesquisas foram Heiz Leymann, Marie-France Hirigoyen e Harald Hege, ou seja, simplesmente três dos principais precursores da tese do assédio moral. No Brasil temos a Dra Margarida Barreto que, de fato, contribuiu, e muito, para o início dos debates e reflexões sobre o tema à partir de 2000 através de sua dissertação de Mestrado em Psicologia Social defendida na PUC/ SP, sob o título "Uma jornada de humilhações".
De lá pra cá, houveram avanços significativos que, aí sim, impactaram o mundo do Direito, sobretudo fornecendo uma sólida base de conhecimentos sobre este subtipo de violência que vêm refletindo nas decisões dos julgados inserido dentro dos chamados danos morais, que conforme o STJ são aqueles que "afetam a personalidade e, de alguma forma, ofende a moral e a dignidade da pessoa. Doutrinadores têm defendido que o prejuízo moral que alguém diz ter sofrido é provado in re ipsa (pela força dos próprios fatos). Pela dimensão do fato, é impossível deixar de imaginar em determinados casos que o prejuízo aconteceu – por exemplo, quando se perde um filho."
Perceba que, até que esses especialistas decidissem pesquisar sobre o assunto não havia nada, em termos científicos, que o decodificasse. A partir de então tornou-se objeto da atenção interdisciplinar de inúmeras áreas correlatas e a cada dia esclarece de forma pragmática o tal fenômeno.
Acontece que nem por isso o assédio moral deixou de ser complexo, de difícil elucidação, um desafio a se superar dado aos inúmeros fatores intervenientes que alimenta uma cadeia de eventos que o mantêm como prática institucionalizada nas organizações.
De fato, é uma batalha de toda a sociedade que à medida que conhece seus direitos e os faz prevalecer, não se culpando ou se deixando culpar por isso que a realidade vai paulatinamente se transformando. O grande problema é o paternalismo que impregna as instituições e a política cujos sistemas arcaicos enraizados em um tempo onde uma elite se sustentava à custa de um povo explorado se agarra a modelos ultrapassados. Junte a isso os objetivos de um capitalismo globalizado em evidente colapso e entenda como funciona toda esta engrenagem. E, se quiser adicionar mais um elemento negativo aloque todo este contexto em sistemas corrupto/ corruptores e encontrará o habitat fértil e propício para as demandas que o assédio moral exige.
Coincidentemente, um dos primeiros efeitos que acometem que passa por esta violência é o da confusão. Se há algum conforto nisso está em saber que se o especialista teve enorme trabalho em decifrar o padrão por trás do fenômeno, imagine a vítima que sequer possui os recursos e ferramentas para entender isso e se vê, da noite para o dia no meio de um turbilhão acontecimentos aparentemente desconexos, subjetivos, subentendidos, de difícil interpretação, sob ataque e perseguição baseados apenas na frieza e covardia antiéticas de um assediador moral.
Em estado de plena defesa, sob a influência de mecanismos ansiolíticos, o trabalhador vê sua autoconfiança e motivação esvaziada e passa a demonstrar queda em seus níveis de produção. Tudo meticulosamente articulado pelo agressor(es) que de forma privilegiada detém a força da organização para vencer os estados naturais de resistência humanos.
É uma questão de tempo, pensa o assediador. Hoje ou amanhã o trabalhador(a) será demitido, adoecerá e se tornará improdutivo e, portanto, desnecessário, ou, melhor ainda, pedirá demissão, afinal de contas, quem em sã consciência aguentaria tanta humilhação (?), arquiteta o agressor.
Dentro do processo, algumas coisas são importantes pra quem assedia: a imobilidade, a inércia e, claro, a intimidação. É preciso criar a ilusão de superioridade e invencibilidade na mente da vítima para poder levar vantagem sobre ela. Se prendê-la por dentro, isto é, em seus mecanismos psicológicos, a batalha está praticamente ganha.
Outro fator de suma importância para assediadores é a garantia de que tudo fique no subentendido e que não se consiga provar que há uma violência com lesão de direitos em curso. Se faz uma espécie de jogo teatral onde o assediado passa a atuar contra sua própria vontade e ainda é penalizado por isso. Aliás, nesse jogo é importante a inversão, ou seja, projetar sobre a vítima o carma da culpabilidade para que se justifique os ataques disfarçados de controle disciplinar.
Quem passa por isso precisa identificar tão logo o funcionamento desta lógica inversa que agirá desproporcionalmente a tudo o que fizer. É preciso entender que será questionado porque se quer descartá-lo. Suas habilidades, competências, qualificações, tudo, será minimizado para que se encaixe em um perfil demissionário. A pressão pretende induzir aos erros que aumentarão vertiginosamente ainda que não existam, enfim, a antiéticas será levada amores nível mais extremos.
Dar visibilidade é uma das melhores estratégias que se pode utilizar, mas nem por isso uma solução definitiva. Sendo assim denúncias anônimas ao MPT, MPE, e outros órgãos podem produzir algum resultado. Evidentemente acirrará o animo do agressor, mas de qualquer forma quem está na fogueira, a esta altura já se encontra chamuscado e não muda nada, afinal, o assediador já havia decido pela agressão.
Em nove anos de assédio moral eu aprendi alguma coisa. Nem tudo que li ou fui orientado funcionou. Outras ações que fui desaconselhado, por outro lado surtiram melhores efeitos. Levando em consideração o fato de ser empregado público e contar com algumas prerrogativas inerentes ao cargo, eu diria que cada situação exige uma avaliação própria.
Não sei, por exemplo, se ficar passando por isso tanto tempo é a melhor coisa a se fazer. Talvez, se houver uma forma de trocar de emprego seja uma saída inteligente. Vai exigir oportunidade, qualificação e decisão. Não fiz isso por uma questão de indignação e decidi pelo confronto mesmo baseado no critério de minha legítima conquista da vaga através de concurso público. Mas, eu diria que melhor que estar hoje aqui escrevendo sobre isso seria não ter passado por esta experiência.
Por outro lado, o estrago causado na vida dos assediadores locais é algo que não tem preço. A vergonha que passaram por não conseguirem me inibir e me submeter. Ter chamado a atenção de órgãos fiscalizadores da lei sobre seus atos e o melhor, testemunhar colegas de trabalho se encorajarem pra enfrentar os abusos cometidos faz com que me sinta orgulhoso de ter participado de um processo de mudança que ainda está longe de se cristalizar, mas que demonstra evidências de melhora. O maior indicador? Os novos colegas de trabalho que sequer tem a noção dos abusos que se cometiam.
Ser vítima de assédio moral com certeza mexerá com toda a estrutura do assediado. Haverá várias fases pelas quais passará e no fim ficará um saldo que dependerá de cada um. Teve um momento que isso se tornou um tormento pra mim. Hoje, não! Estar ou não abalado psicologicamente já não é mais prerrogativa para se caracterizar o assédio moral, isso, de fato, dependerá da arquitetura emocional de cada pessoa.
Uma coisa não mudará. O conhecimento e a fomentação do debate e reflexão sobre o tema somado à sua disseminação ainda são a melhor forma de se combater o assédio moral.
Raniery
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