Pular para o conteúdo principal

Esgotamento estranhado


A vida nos grandes centros urbanos é desgastante por conta do ritmo alucinante e estressante que exige de nós cada vez mais em termos de tempo e atividade. É por conta de nosso natural desejo de progredir e ter, ou melhor, consumir, somado às nossas necessidades que, então, trabalhamos, cada vez mais, abrindo mão de coisas que nos são importantes, a despeito de sua simplicidade, como, por exemplo, relaxar, curtir a família, etc. É desse ritmo que se derivam inúmeros transtornos de ordem emocional que acabamos por desenvolver.

No filme “Space office” ( “Como enlouquecer seu chefe”- versão brasileira) Peter Gibbons (Ron Livingston) é um programador de computadores que se sente muito infeliz no emprego. Após uma sessão de hipnose seu comportamento muda e ele se rebela. Porém, à medida que se insurge chama a atenção de seus gestores, que lhe promovem em pleno período de demissões. Porém, isso não é suficiente para deixá-lo feliz.

O filme trata da temática do proletariado que vende sua força de trabalho e submerge no mundo do trabalho estranhado, termo que o filósofo Marx utiliza, onde critica o capitalismo selvagem que incentiva a exploração do homem pelo homem. Para Marx, o trabalho está ligado intimamente a sociabilidade humana e no momento em que o homem se sente explorado e não livre em sua atividade essencial, esta se torna estranha a ele.

Peter Gibbons é um homem insatisfeito com o trabalho, estressado pela rotina e oprimido pelo chefe no escritório. O chefe, Bill Lumbergh é o assediador moral que demonstra que o controle capitalista do trabalho é também controle social (e pessoal) que se dissemina pela produção e pela vida cotidiana. 

Lumbergh é a "persona" do Mal que sintetiza em si, o controle autoritário do capital no local de trabalho. Ele possui o estilo de chefe da velha empresa taylorista-fordista.

Taylor demonstrou que o máximo controle sobre o desempenho das máquinas e do trabalho poderia melhorar os processos de produção. As situações que não pudessem ser controladas deveriam ser eliminadas do processo. O treinamento, a especialização e o controle seriam as ferramentas básicas que concederiam a interferência positiva na produtividade da indústria.

Esta comédia acaba retratando, e, por consequência, discutindo, o que o sistema acaba produzindo nas pessoas, como esgotamentos nervosos e um sentimento de frustração que nunca acaba. Os fatores desencadeantes na iniciativa privada, são o resultado, a produtividade; Na pública, a corrupção e a improbidade administrativa. O capitalismo tem uma fome voraz que nunca se esgota, tanto quanto a fome dos gananciosos. Por conta disso, a massa precisa ser mantida sob controle e produzir o lucro para que o dono do capital apareça nas principais capas de revistas ou em algum ranking dos mais ricos.

A grande verdade é que somos condicionados, quase como robôs, para atender este sistema, e, aquele que não se enquadra, logo sente o peso de sua inadequação. Pense nos lugares que trabalhou e se lembrará daquele capataz que fará de tudo para atender os desejos do seu chefe mimado e, se isso significar ficar no encalço de algum rebelde que não aceite a exploração, ele o fará.

Portanto, não é de se admirar que todos os dias e por todos os lugares vemos, dentro desta estrutura, situações desmotivantes, onde o competente acaba sendo preterido pelo adulador; o qualificado é colocado de lado pelo subverniente- que é capaz de servir de capacho para algum perverso desajustado; na base de esquemas e armações, o desidioso consegue se “ajeitar” e o produtivo passa a ser visto como o trouxa que deve trabalhar, isso, quando não se pretende que faça o trabalho daquele. 

Onde trabalho, por exemplo, burla-se as normas e regras para promover, por exemplo, namorada de chefe, capanga de corrupto, filha não sei de quem, é uma orgia só com a coisa pública, onde as pessoas se prostituem sem o menor pudor ou constrangimento. Não contentes, passam o tempo ocioso elaborando como prejudicar outros.

Não à toa, o desânimo e a falta de perspectivas toma conta das pessoas. Em sistemas perversos e pervertidos, como os citados, se produz uma energia negativa que drena a vida emocional de qualquer um. A desmotivação se transforma numa característica sombria que degenera em transtornos emocionais e esgotamentos nervosos.

Para vencer este ciclo vicioso, é preciso não se deixar contaminar, mas se auto motivar. Como fazê-lo? Cada um possui a resposta dentro de si, basta procurar. Uns, encontrarão na religião, outros na família; Cada um tem algo que pode ser fonte de superação. Talvez para alguns, só mudando de ambiente mesmo, que isso se resolverá. Mas, curiosamente aquilo que na correria acabamos por abrir mão pode ser a resposta para superar o que o sistema vampirizou.

De qualquer forma, a vida não deixa de ser um desafio e uma eterna busca pelo melhor. Não dá para viver se iludindo achando que o mundo é totalmente justo e que as coisas são como idealizamos, mas nem por isso deve-se abrir mão de lutar para que melhore e se torne mais próximo do ideal.

Não fosse assim, as grandes mudanças que ocorreram no mundo não aconteceriam e ficaríamos estagnados no tempo e no espaço. Não reagir é estar morto por dentro. Como o personagem do filme, talvez seja preciso uma pitada de rebelião interna e romper com antigos paradigmas e se reinventar para alcançarmos a felicidade que poderá decorrer justamente de se ver tentando, de arriscar, de mudar.
                       Capital, trabalho e alienação- Karl Marx

Raniery

raniery.monteiro@gmail.com
http://mentesalertas.tumblr.com/


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ninguém chuta cachorro morto

A expressão significa que as pessoas não atacam quem não tem valor, é insignificante, medíocre, mas alguém que possui características ou qualidades que incomodam e por isso as ameaça, daí porque utilizarem deste recurso numa tentativa de a diminuírem de alguma forma ao mesmo tempo em que se projetam. É da natureza de determinadas pessoas, que por uma inadequação interna, sentirem-se inferiores a outras, não pela suposta superioridade destas, mas pelo seu desajuste psicológico. Por isso, para alcançar o equilíbrio de seus centros emocionais praticam uma espécie de projeção imputando ao alvo de sua fúria seus próprios fantasmas internos. Este recalque as leva, então, a inventar boatos, viver em mexericos pelos cantos, disseminar a intriga e semear a discórdia contra a pessoa que vêm como sua competidora natural. E como se sabe que o problema é do desajustado? Simples: percebendo que a cada momento se elege um novo candidato ao posto de alvo. Sempre alguém não prestará ou será

Eu, eu mesmo e...somente eu!

Nada é mais difícil de lidar que uma pessoa narcisista . Elas se acham a última azeitona da empada e acreditam que as pessoas existem para lhes servir.  Se arrogância pouca é bobagem, imagine, então, um ambiente que lhe proporcione manifestar a totalidade de sua megalomania. No filme de animação, Madagascar, há dois personagens que traduzem perfeitamente o estereótipo do narcisista: o lêmure, rei Julian e Makunga o leão ambicioso e ávido pelo poder. O rei dos lêmures, Julian, se ama e se adora e acredita firmemente que tudo acontece em sua função. Com uma necessidade incomum de ser admirado faz de tudo para aparecer e chamar a atenção. Já o leão Makunga encarna o tipo de vilão asqueroso, dissimulado e traiçoeiro que sempre está planejando algo pra puxar o tapete do leão alfa. Nas relações onde o assédio moral é forma de interagir, tais figuras estereotipadas e sem noção aparecem por trás de atos inacreditáveis de egocentrismo crônico.  Não podem ser contraria

Cuecão de Couro?

Se a vida imita a arte eu não sei, mas em 1994, na comédia pastelão Ace Ventura Detetive de animais, a vilã Tenente  Winky no final da trama é desmascarada e ...bem, assista ao filme. De qualquer forma, tão surpreendente quanto a inusitada cena foi a confissão de um Seal americano através de uma rede social- ele trocou sua foto em seu perfil pela de uma mulher alta, morena, com uma blusa branca, sorrindo diante de uma bandeira americana. E escreveu: "Tiro agora todos os meus disfarces e mostro ao mundo minha verdadeira identidade como mulher". Chris Beck trabalhou 20 anos no Navy Seals, um comando especial da Marinha dos EUA que frequentemente faz operações secretas em territórios inimigos. Mas ao longo desse período o oficial guardava um segredo pessoal: desde a infância, ele sentia que era uma mulher nascida em um corpo masculino. Leia mais... Quem imaginária nos seus mais loucos sonhos que um camarada machão como esse escondia uma princesa desesperada por carin