O trabalhador a despeito de ser assalariado e dependente desta condição pelo empregador, é, portanto, parte hipossuficiente em relação àquela, mas, é obrigado, por isso, a submeter-se indiscriminadamente a tudo o que ele exigir? Evidentemente que não, pois não é um escravo ou um robô.
Sabe-se que o capitalismo não permite igualdade de forças nas relações de trabalho, mas isso não significa dizer que não há proteção contra o óbvio desequilíbrio que historicamente ocorre, decorrência de abusos absurdos derivados de comportamentos paternalistas que se evidenciaram de forma chantagista contra o trabalhador que depende de seu salário como fonte de renda para subsistir, mas que coloca seu tempo e capacidade a serviço do dono do capital configurando tal negócio jurídico.
Tais relações desconexas com os princípios basilares de um Estado democrático de direito foram praticadas durante muito tempo contra o trabalhador sob os mais variados e esdrúxulos pretextos. O empregado, por sua vez, esmagado pelo abandono estatal e situado em condições sociais precárias aceitava tais abusos resignadamente, humilhado por não ter outra saída, e, caso não se submetesse era ameaçado de demissão ou castigado como se fosse um animal de carga.
O raciocínio do empregador baseia-se em um suposto favor que faz ao contratar um profissional e não numa relação contratual/profissional. Sendo assim, fica a impressão de que o empregado lhe deve algo e não que fornece sua mão de obra em troca de um salário acordado. Neste diapasão, a vida do objeto humano que passa a ser posse do patrão está condicionada a viver por e para ele e em função do seu negócio e lucro- tem que vestir a camisa, sem esquecer do grilhão.
A globalização exige competitividade das empresas e nesse afã vale tudo, até mesmo violar direitos constitucionais como os de intimidade ou privacidade, ferindo assim a dignidade da pessoa humana em gestões baseadas na pressão e no medo. Pelo lucro e poder econômico, os chamados direitos de personalidade como: a vida, a integridade física e mental, a imagem, a liberdade, o segredo, a identidade, a honra e o respeito, a intimidade e a privacidade (supra citados), são desprezados deliberadamente pelo empregador que tem a obrigação de respeita-los. Os direitos de personalidade resguardam a dignidade da pessoa humana.
Nos casos de violação de privacidade/ intimidade do empregado temos a discriminação como mote determinante derivado de processos discriminatórios contra categorias de grupos de pessoas como, por exemplo, homossexuais, negros, obesos, entre outros, violando um direito essencial que é o da igualdade ou isonomia.
Quando tratamos de questões ligadas a processos de assédio moral a relevância destas posturas ganham caráter institucional amparadas por tais condutas antiéticas, imorais, ilícitas e perversas. Perceba que não se está discutindo processos legítimos de fiscalização das produção, mas condutas manifestadamente ilícitas e proibidas cuja ciência está intrinsecamente associada as intenções quebrando o chamado princípio da boa-fé nas relações contratuais, cláusula geral de nosso código civil. Em nosso ordenamento, sobretudo na relações de trabalho, que abordamos aqui, os comportamentos das partes devem ser vistos sob as lentes do princípio da boa-fé
Conforme O novo Código Civil brasileiro prevê, expressamente, o princípio da boa-fé como cláusula geral, encontra aplicação em todas as relações jurídicas, com maior ou menor grau de atuação, quer como gênese da criação de deveres jurídicos próprios, quer como forma de interpretação da norma jurídica, quer como elemento estruturante do Direito. É caracterizado como conceito jurídico geral, ou seja, adapta-se segundo as exigências do caso concreto e dos valores ético-jurídicos preponderantes na sociedade.
Por falar em direitos de personalidade, sobretudo privacidade, fica aqui o meu protesto contra empresas públicas como a que eu trabalho que deliberadamente confrontam os direitos e garantias constitucionais quando mantém sob seus quadros funcionários que violam tais garantias quando passam a investigar a vida dos empregados sob as ordens de administradores ímprobos e que o fazem dentro de um contexto de assédio moral deflagrado pelos mesmos o que é vedado pelos princípios da administração pública dentre os quais destaco o da pessoalidade.
O que se percebe nesses casos é a apropriação da coisa pública e o desvio de finalidade que destorce o objetivo final de atender o interesse público e nos casos de empresas privadas violam a função social que a livre iniciativa está conectada na criação de empresas e negócios, ou seja, na busca do poder econômico como fim último solapa-se e banaliza-se a dignidade da vida humana.
Por trás de ações como as de assédio moral está todo este contexto que caracteriza um estado de ganância e predação de todo tipo como a degradação do meio ambiente, fraudes econômicas, corrupção, formação de quadrilha, enriquecimento ilícito etc.
Diante de casos de perseguição psicológica o que temos de fato é uma parte de um processo muito mais complexo que expõe a frieza, crueldade e perversidade como tais questões são tratadas nas organizações. Nada acontece por acaso. Por trás de situações ilógicas pode estar sendo escondido outros interesses que não são identificados facilmente propositalmente.
Contradições como, a promoção do menos competente e a perseguição do bom profissional pode ter outra explicação como fraudes, por exemplo. Enfim, se formos elencar a miríade de possibilidades não pararemos mais.
Infelizmente o que destrói psicologicamente nem sempre é absorvido de forma correta nos fóruns de justiça do trabalho que preferem generalizar sobre a banalização do dano moral que coibir tais ações antiéticas do meio organizacional.
Fica claro, pelo exposto, que a dinâmica complexa que descamba em situações de assédio moral pode muito bem ser explicada pelos bastidores em que se desenrola e pelos inúmeros interesses escusos que podem estar escondendo. Então, diante disso, é certo afirmar que o assédio moral é mais perigoso e criminoso do que se imagina e de qualquer forma, com ou sem tal complexidade deve ser combatido.
raniery.monteiro@gmail.com
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