Quando dizemos que alguém não é confiável, porque descobrimos que em suas condutas ela usa de expedientes desonestos, a chamamos de cobra venenosa numa alusão ao comportamento furtivo e sub-reptício que as serpentes possuem. Além de seu veneno, é claro.
Beleza, não se põe na mesa, já dizia minha avó. O ditado dos antigos faz alusão ao engano da superficialidade. Não é porque alguém fala de Deus, que não anda com o diabo; é todo amigável, que não apunhale pelas costas; elogie, e não faça fofoca venenosa, enfim, não podemos ignorar o contexto.
Pessoas traiçoeiras são desonestas e mentirosas contumazes, logo, não dá para esperar nada que não seja desabonador e prejudicial de sua parte. Sua predação precisa ser satisfeita dada a sua fome voraz pelo que é condenável. A ganância costuma acompanhar o conjunto de características negativas de seu mau-caráter.
Quando não sabemos o verdadeiro conteúdo do traiçoeiro acabamos nos deixando levar por sua lábia, afinal de contas, desonestos vivem de enganar as pessoas e para isso é preciso conquistar a confiança das mesmas. Elogiar, se fazer de confidente, chorar, sorrir, dar tapinhas nas costas são apenas ferramentas para distrair a presa de suas verdadeiras intenções. Veja que para eles, pessoas são coisas, objetos, ou tem o mesmo valor de uma refeição- servem para alguma coisa. Depois que se alimentam resta apenas defecar o que não se aproveitou. É assim que essas víboras humanas enxergam seu próximo. Nelas, não existe o real significado da palavra compaixão.
Agora, vamos avaliar as coisas como elas são de fato e não como queríamos que fossem. Comecemos utilizando o critério da proximidade para tentarmos fazer uma análise de como a realidade deve funcionar. Pense em seus pais, irmãos, amigos, namorado(a), esposa(o) etc. Se tudo estiver dentro dos níveis de normalidade haverá uma maior intimidade e cumplicidade nestas relações. Claro, que ocorrem distorções, mas no geral, é assim. O importante é que sabemos que há uma maior proximidade com esses grupos que outros. Logo, colegas de trabalho, chefes, colegas de escola, professores estariam, então, um nível abaixo do primeiro grupo no quesito proximidade cabendo, obviamente, as mesmas interpretações feitas acima.
O que quero dizer com isso? Que o normal é estabelecer ou graduar os níveis de relações interpessoais conforme o ambiente em que nos encontramos, onde cada um representa os seus papéis sociais. Sendo assim, é natural que sejamos mais formais em ambientes onde isso o exige e vice versa. Então, quando nos deparamos com figuras que extrapolam tais posturas, como aquele chefe amigão, por exemplo, deveríamos prestar mais atenção se isso não é artificial e onde irá parar, pois afinal de contas, a função dele exige que controle a minha.
Agora, vamos um pouco adiante e imaginemos que o tal chefe seja também um traiçoeiro, e, que por conta de uma aproximação perigosa, poderei levar alguma vantagem nisso. Eu, então, permito que ele me envolva em seus esquemas e me torne seu cúmplice achando que isso me garantirá imunidade e impedirá que ele se volte contra mim. Mas, onde está a falha de raciocínio? Ora, se ele é um traiçoeiro, e, portanto, um desonesto, que por sua vez é um mentiroso, toda a base do meu argumento fora construído sobre falsas asserções e, quando ele não mais precisar de mim, serei descartado. Pior, como fui corrompido sequer poderei fazer nada, pois traiçoeiros são exímios chantagistas também.
Engana-se quem pensa que pessoas traiçoeiras são uma coisa em um lugar e outra coisa em outro lugar. Seu padrão se manifesta onde quer que estiverem: em casa, com amigos, no trabalho, nos relacionamentos etc. Pense: se atacam aqueles que deveriam amar por que é que não fariam o mesmo com aqueles de quem nada são?
Uma das coisas que um traiçoeiro aprende desde cedo é apelar para as emoções das pessoas para poder conduzi-las através de seus joguinhos sórdidos. E é aí que temos, por assim dizer, mais uma sacada. Eu chamo isso de bipolaridade inconsistente. Calma, antes que você diga que é uma redundância deixe-me concluir. Como eles estão sempre na berlinda, no limite, acabam por magoar as pessoas e sempre pedindo perdão e prometendo se arrepender. É o remorso de alcoólatra. Portanto, seu comportamento transgressor me diz que nunca se emendarão, mas seu discurso apela sempre para minha compaixão e acabo cedendo, lhes dando umas trezentas segunda chance.
Continuando no apelo emocional, quando estão preparando alguma armadilha, se aproximam com todo carinho, atenção, afagos, ou, chorando por um problema conjugal, familiar, emocional qualquer. A tática consiste em fazer a pessoa se desarmar e ficar vulnerável ao seu ataque. Na realidade, ela está armando a chamada casa de caboclo e precisa ganhar vantagem sobre o outro para que não tenha tempo de se defender.
Jamais poderemos esquecer de um detalhe- as palavras de um traiçoeiro. Na realidade, são apenas isso mesmo: palavras. Não valem nada. Não há veracidade, mas engodo. O que fazem é satisfazer a necessidade que as pessoas têm de ouvir o que querem. Isso, ele lhes dará. Quando a verdade vier à tona negarão tudo sem titubear deixando a pessoa desmoralizada e como a mentirosa em questão. Reflita: não tem como ser traiçoeiro sem jogar sujo, e, sujeira é o seu território, aliás, eles chafurdam nele. Aquele que por ventura acreditar em suas palavras estará assinando uma sentença.
Uma pergunta talvez não tenha sido respondida ainda: como podem ser tão bons no que fazem, isto é, como conseguem passar incólumes durante anos sem sequer levantar suspeitas e somente serem conhecidos de suas vítimas. Simples. A cada presa que abatem refinam a técnica; e como fazem isso desde a tenra infância, quando adultos, já se tornaram mestres da arte da patifaria. Não ficam assim da noite para o dia. Não caiu uma bola de boliche ou bigorna de desenho animado em suas cabeças e os transformaram. Não tomam uma fórmula que os transmutam em médico/ monstro. O veneno fica escondido atrás de suas presas numa glândula e desde cedo demonstram seu talento. Você já parou para se perguntar por que é que numa árvore de laranja não nasce maçã?
Acredito que você já se conheça um pouco e tenha chegado à conclusão de que possui um padrão definido de comportamentos que muitos chamam de mania, e outros, de gênio, ou seja, nossa personalidade, que se formou no processo de nosso desenvolvimento e que envolveu inúmeros fatores. Cada um tem seus hábitos, gostos e predileções. Eventualmente saímos deste roteiro, mas via de regra, permanecemos nele até o final de nossas vidas, apenas deixando espaço para o amadurecimento que fará as devidas correções. Pelo menos para alguns.
Acontece que para os traiçoeiros não é assim. Nunca se ajustam. jamais se adaptam. Sempre transgridem. A única coisa que fazem é imitar os outros para que se pareçam com eles no intuito de levar alguma vantagem. São imagens de espelho- estão lá, mas não existem. São apenas um efeito ótico.
Ficamos surpresos quando uma pessoa pacata tem um dia de fúria e esbraveja com todos, mas surpresa seria ver um traiçoeiro deixar de sê-lo. Então, se minha vida é importante pra mim, eu me acautelaria destas víboras humanas e onde quer que eu fosse ficaria atento para identifica-lãs. Não é assim que o biólogo faz quando está na selva? Até por que se for mordido por uma cobra, dificilmente sairá vivo dali.
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