O comportamento humano é mesmo complexo. Dificilmente conseguimos tirar conclusões precisas acerca do caráter de alguém apenas com evidências superficiais. Isto demanda tempo. Nem mesmo observando uma pessoa por anos a fio dá para dizer com 100% de precisão que alguém terá este ou aquele comportamento- seja positivo ou negativo.
Fiquei sabendo que determinada empregada de uma grande empresa instalada aqui no Brasil está tendo dificuldades com certo chefe que já estaria afetando seu salário. Ela foi acusada de se utilizar abusivamente de determinado benefício que a empresa oferece sendo que comprovou devidamente que não o fez dando ciência a seus superiores, que não poderiam alegar desconhecimento. Além do mais, ela não era a única a usá-los.
Fora o constrangimento de quem sempre fora assídua, atuante e pró-ativa, a situação chama a atenção pelo fato de ser totalmente desproporcional e estranha. Imediatamente falou-se em demissão e a funcionária ficou exposta diante do grupo que reagiu se afastando dela.
Como sempre, quiseram que ela confessasse ter cometido o ato irregular e tentaram induzí-la ao erro sob ameaças veladas. Não bastasse isso, teve seu ponto eletrônico alterado com prejuízo ao seu pagamento e, se isso não bastasse, o atestado médico que entregou ao seu chefe não fora repassado ao DP. Ela, então, o cobrou e ele lhe deu uma desculpa esfarrapada para não ajustar tal situação que já configura irregularidade. O episódio deixou o próprio pessoal do DP perplexo, já que bastaria apenas um parecer positivo do chefe e tudo se resolveria sem maiores problemas.
Mas, ao que parece, está ocorrendo o chamado “castiguinho”, que é quando o chefe decide dar uma lição ao seu subordinado à revelia da lei. São várias as formas de castido, desde ficar isolado em uma sala sem fazer nada, até ser mandado para posto de trabalho distante, ou até mesmo em outra cidade contrariando os usos e costumes da empresa. Um colega de trabalho me contou recentemente passou por isso e protocolou junto à chefia denúncia do chefe abusivo que, então, passou a se articular junto aos outros colegas para que não testemunhassem contra ele conforme.
Seja como for, tais situações estão despidas de legalidade já que manifestam, muito mais a má intenção do superior que qualquer idéia de correção disciplinar. O que está por trás deste comportamento é a vaidade de se impor pela força e submeter o empregado como se fosse uma posse do chefe. A covardia se dá pelo fato daquele ser a parte frágil da relação em detrimento do outro que goza de certas prerrogativas.
Mas, de onde emerge esta cultura do castigo nas relações laborais? Ora, no Brasil, a resposta é fácil já que fomos uma nação escravista (herança portuguesa) que devastou a vida de milhões de homens, mulheres, crianças, famílias inteiras, cujo meio de controle era a crueldade, se impor pelo medo. E isso se enraizou no inconsciente coletivo, tanto que até hoje vemos pessoas que se submetem e aceitam o arbítrio e o abuso sem questionar e o que é pior, ainda o apóia. Há um ditado que ilustra bem isso: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Perceba que esta frase está inundada de um pensamento machista/ paternalista que marca a história dos sistemas de organização de produção e do mundo.
Nestes sistemas, o empregado é um devedor e o patrão um benfeitor que merece gratidão, procurando descaracterizar as relações contratuais de trabalho. O chefe deve ser visto como uma figura de autoridade que deve ser reverenciada e temida e sua palavra é a lei. Questioná-lo é visto como ato de extrema insubordinação que deverá ser punido exemplarmente. Mas, você pensa que em pleno século XXI isso acabou, não é? Falando em Portugal, dê uma olhada no Blog do Artur Costa, de Lisboa e conclua, por si só, como a coisa é global, aliás, efeito da globalização e de políticas neoliberais que se disseminam a décadas pelo mundo.
E, no fim das contas, só estamos vendo o lado negativo do chefe e de fato, como fica a empresa que assume o risco pelo negócio e, portanto, não poderia deixar que suas instalações e dinheiro investido ficasse à mercê de anarquistas e visse escoar ralo abaixo todo um projeto? Ora, o ordenamento oferece uma solução legítima pra isso. Acontece que aí perde a graça a brincadeira, né? Veja que, de acordo com a legislação cogente, o que é permitido no que diz respeito ao disciplinamento dos comportamentos, está plenamente difinido, inclusive, respeitando os chamados direitos personalíssimos, mas quando a pessoa está mal intencionada, ou de má-fé, não quererá saber do que pode ou não pode, ela se achará acima do bem e do mal e partirá para o abuso e o arbítrio. Como também, tais relações, são de base contratual, ou seja, as partes acordam e se obrigam, entre si, o castigador conta com a inércia daquele que foi lesado em não acioná-lo juridicamente, o que é perfeitamente aceito em nosso código civil, já que ninguém é obrigado a exigir que seu direito seja cumprido, ou, seja, se o Estado juiz não for provocado, também não tomará conhecimento. E o Direito não ampara ao que dorme.
Concluímos, então, que o chamado “castiguinho” está fora da categoria que ampara o poder diretivo das empresas em corrigir e disciplinar o comportamento de seus empregados. Logo, estes não deveriam aceitar tais arbítrios de seus superiores e, evidentemente, fazer as denúncias cabíveis nos órgãos competentes, sem prejuízo de suas respectivas ações. O equilíbrio deve haver para ambas as partes e o que fugir disso deve ser considerado excesso e inaceitável.
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