Dizer que alguém é perverso significa falar de uma característica de sua personalidade que define um padrão comportamental de maldade, malignidade ou ruindade, mas outras palavras podem se associar a esta explicação como: atrocidade, barbaridade, crueldade, improbidade, malignidade, truculência etc.
A definição, já descobrimos, mas qual é o limite deste tipo de desvio de caráter? Até onde o homem pode ir para disseminar o mal que ocupa o seu interior? Somente a criatividade humana poderá responder esta pergunta, pois o mal é criativo.
Pessoas assim se alimentam do mal, ou, conforme creio, alimentam entidades malévolas em um ciclo de dependência, mas seja como for, se estabelece uma necessidade de praticá-lo. Pode parecer estranho, mas é gratuito mesmo. Este instinto os move e não tolera ser contrariado, daí o espírito vingativo e revanchista destas cascas sem alma.
Em “O morro dos ventos uivantes”, escrito por Emily Brontë, essa dinâmica é explorada de forma intensa e sombria em um cenário de mistério, numa estória forte e intrigante que descreve a vingança como força motriz desencadeada por um complexo de rejeição e um amor impossível.
Heathcliff, um menino de rua cigano, é adotado pelo bondoso Sr. Earnshaw, mas isso deixa seu filho Hindley furioso de ciúmes, mas não sua filha Catherine, que se afeiçoa ao menino. Logo, a afinidade entre a menina e Heathcliff se estreita a ponto de mais tarde ficarem apaixonados. Porém, tudo muda quando o Sr. Earnshaw morre e seu filho Hindley passa a tratar seu irmão adotivo como um serviçal tentando impedi-lo de se aproximar de Catherine, mas sem sucesso.
O jovem Heathcliff passa, então, a enfrentar um inferno astral sendo mal tratado de todas as formas e passando por inúmeras humilhações e agressões, mas suportando tudo somente pela possibilidade de ficar perto de sua amada.
É quando Hindley tem a ideia de casar sua irmã com um rapaz rico. Neste instante as coisas começam a mudar e estremecer para o amor obsessivo que piora quando Heathcliff escuta Catherine dizer que não pode continuar esta relação, já que seu verdadeiro amor é de classe inferior, o que comprometeria seu status. Magoado e ferido, o cigano decide ir embora, o que causa a devastação em Catherine que mesmo assim se casa ainda que não ame seu marido.
Dois anos depois, Heathcliff volta rico e decide iniciar seu plano de vingança contra todos os que o oprimiram. Um a um, ele tira tudo o que possuem e ainda se volta contra seus descendentes dando-lhes o mesmo tratamento que lhe dispensaram em sua infância. Nisto, casa-se com a irmã de seu desafeto, marido de Catherine, o que a deixa mais infeliz. Desiludida, fica grávida e, ao dar a luz, morre. Desesperado, mas ainda corroído pela ira e o ódio, Heathcliff continua com sua missão inglória que termina melancolicamente com visões de sua amada, ou melhor, de seu fantasma (cascarões- larvas astrais que ocupam o spectro da pessoa morta) o atormentando, e, então, é encontrado morto por sua governanta indo se encontrar com sua amada no além.
A estória ilustra como uma pessoa que foi vitimizada por agressores pode se transformar também em um agressor no futuro. São inúmeros os casos como os de abuso sexual, por exemplo, onde, quando adulto, a vítima torna-se um pedófilo. Isso não significa dizer que está correto, pelo contrário, mas, que é fato que se constata. Assediados de ontem podem ser os assediadores de hoje.
Com as agressões, a pessoa se deixa embrutecer e corroer pelos sentimentos de raiva, ira e ódio e permitem que seus corações e consciência se endureçam passando a repetir contra outros, o que fizeram consigo. Esse comportamento doentio é visto, inclusive, em mulheres que descontam em seus filhos os maus tratos sofridos na infância.
E quando o transtorno é algo crônico? Na idade média, na chamada santa (?) inquisição católica, a crueldade era levada a limites inimagináveis que pessoas que possuem consciência moral, não conceberiam. Naquele tempo, livre arbítrio significava pena de morte. Morrer somente, não define exatamente os horrores praticados pelos “homens de Deus” contra os hereges.
Antes de dar o último suspiro o desafortunado enfrentaria o mais alto grau de maldade humana. O mais incrível era a combinação da inventividade do homem com sua perversidade sórdida. Máquinas de destroncamento, amputação, estrangulamento, decapitação eram usadas para arrancar confissões de heresia e bruxaria, em processos inquisitórios sem o menor critério que serviam ao sadismo doentio dos homens de batina. Os perseguidos poderiam compor qualquer classe de pessoas desde homossexuais, judeus, maçônicos, bruxas, etc.
Mas, houve casos em que as coisas se inverteram e os idealizadores de tais máquinas provavam a sua eficiência. Em determinado momento soldados franceses revoltados fizeram com que os inquisidores sentissem, digamos, na pele o que faziam com as pessoas. Afinal, esse é o jogo da crueldade, um ciclo interminável de violência onde tanto o que provoca quanto o que sofre se transformam em bestas selvagens disseminando o mal. Aliás, a vitória de um agressor é emular suas vítimas para que se tornem iguais a eles.
Mas, não acredito que devamos nos deixar vencer pelo mal dando essa alegria para seres desprezíveis e vazios, mas ao invés de nos rebaixarmos ao seu nível, derrotá-los sem que nos destruamos no processo. Tudo o que fazem é para arrancar o que de bom há na pessoa agredida para que, perdendo sua essência, deixe de ser feliz e perca sua autoconfiança, pois como seres incompletos, eles não suportam ver alguém que manifeste as qualidades que não possuem. O fim destes atormentados é acabar no vazio de suas vidas como uma geração perdida, que é o que são.
Seja qual for o tipo de violência que se passou carregar o agressor para o resto da vida, dentro de si, não me parece ser a melhor estratégia para derrotá-los. A melhor estratégia com certeza não será lutar no território inimigo. A vingança atrapalha o raciocínio, mas a inteligência associada à paciência pode ser bem efetiva.
raniery.monteiro@gmail.com
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