Tem por objetivo estabelecer a importância da produção de provas para se provocar o Judiciário em pleito de reconhecimento do assédio moral no ambiente de trabalho e consequente indenização pelos danos morais e/ou materiais gerados.
No mundo jurídico o tema “prova” é de essencial importância. Nada pode ser movimentado na Justiça, nada pode ser pleiteado em juízo, se o destinatário do direito não possuir o mínimo de aporte probatório necessário a comprovar o direito alegado.
Até mesmo nas hipóteses clássicas onde a lei estabelece a inversão do ônus da prova (Lei nº 8.078/1990 – art. 6º, VIII, por exemplo), não significa dizer que o julgador decidirá exclusivamente com base nas meras alegações do autor da ação, tendo este que demonstrar inicialmente a verossimilhança de suas alegações. Na hipótese, por exemplo, da responsabilidade civil objetiva, atribuída ao Estado pelo art. 37 § 6º da Constituição Federal, terá o terceiro prejudicado que demonstrar, através de provas, a lesão por ele suportada (moral e/ou material) além da relação de causalidade entre esta e a atuação do Estado, ainda que independente de ter sido esta dolosa ou culposa.
Desta forma, meras alegações sem nenhum suporte probatório, direto ou indireto, não possuem o condão de consagrar direitos pleiteados. Trata-se, pois, de regra básica atinente ao Estado Democrático de Direito, pois estaríamos diante do caos jurídico se houvesse tal possibilidade, onde uma pessoa simplesmente alegaria determinado fato e se revestiria automaticamente dos benefícios a ele correlatos.
Levantamos esta importante questão em razão da posição do representante de um Sindicato, que comigo participou de evento que discutia o assédio moral no ambiente de trabalho. Após minha intervenção, onde alertava aos presentes acerca da importância da vítima do assédio moral angariar todas as provas possíveis que possam demonstrar a formatação do fenômeno e suas conseqüências, o sindicalista que participava dos debates manifestou sua discordância com minha posição, conclamando a todos que se sintam vítimas de assédio moral a recorrer ao Judiciário, ainda que não tenham nenhum tipo de prova, o que segundo ele seria “visto durante o processo”.
É certo que o TST já decidiu que o ônus da prova no Direito do Trabalho não cabe necessariamente à parte que alega o fato (RR 649939/2000). No entanto, tal decisão deve ser aplicada somente quando a parte contrária é detentora de documentos ou informações que comprovam as alegações da reclamante, não estando ao alcance deste. São casos típicos relacionados a controle de ponto, recibos e outros documentos de mesma natureza. Se tais documentos puderem, de alguma forma, comprovar o assédio moral, aí sim poderiam ser requisitados para comprovar o alegado. No entanto, dada a complexidade de conformação do assédio moral, outras provas mais específicas e decisivas devem ser produzidas pela pretensa vítima, para que possa embasar seu pedido de forma concreta.
As discussões que envolvem o assédio moral são personalizadas pela complexidade. O sistema jurídico pátrio, apesar das leis a respeito, em âmbito estadual e municipal (direcionadas à Administração Pública) e dos imprecisos e impróprios Projetos de Lei em tramitação, ainda não está totalmente preparado para desenvolver uma visualização perfeita em relação ao fenômeno. Apreciando as decisões sobre o tema, proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho, percebemos que os magistrados confundem o assédio moral no ambiente de trabalho com ocorrências similares, mas que não se enquadrariam como tal. Exemplo típico é o reconhecimento de assédio moral nas hipóteses onde, na verdade, ocorre assédio ambiental ou institucional (políticas de gestão empresarial truculenta e afrontante à dignidade da pessoa humana, direcionadas ao grupo de trabalhadores em geral e não à determinada pessoa). Outro exemplo se refere às decisões que reconhecem o assédio moral quando na verdade ocorreu uma mera ofensa isolada. Ainda que tais comportamentos tenham o potencial de causar danos relevantes ao trabalhador, na ordem moral e material, não se constituem em assédio moral, por ser este um processo, composto por comportamentos ofensivos reiterados, direcionado à determinada pessoa ou a determinado grupo individualizável.
Neste contexto, o fenômeno do assédio moral necessita do que denominamos visibilidade social e visibilidade jurídica. Somente cumprindo esse caminho o assédio moral irá se consolidar no mundo jurídico como fenômeno definitivamente reconhecido.
Desta forma, se a pessoa que se diz vítima do processo de psicoterror laboral bate às portas do Judiciário com meras alegações, destituídas do mínimo conteúdo probatório capaz de emoldurar suas postulações, não só terá rechaçada sua pretensão, como também contribuirá para o enfraquecimento do fenômeno. A conseqüência da reiteração de tais ocorrências será o descrédito que pairará sobre a temática, estabelecendo nos julgadores justificada desconfiança em relação a outras postulações envolvendo o assédio moral, ainda que alicerçadas em provas contundentes.
Vale citar as precisas considerações de Júlio Ricardo de Paula Amaral, comentando a posição de Manuel Antônio Teixeira Filho,Limitações à aplicação do princípio da proteção no Direito do Trabalho:
“Para Manoel Antônio Teixeira Filho, não haverá incidência da regra do in dubio pro operario em matéria probatória, tendo em vista que ou a prova existe ou não se prova. A insuficiência de prova gera a improcedência do pedido e, portanto, o resultado será desfavorável àquele que detinha o ônus da prova, seja ele o empregado seja ele o empregado. Por outro lado, se ambos os litigantes produzirem as suas provas e esta ficar dividida, deverá o magistrado utilizar-se do princípio da persuasão racional, decidindo-se pela adoção da prova que melhor lhe convenceu, nunca pendendo-se pela utilização da in dubio pro operario, já que neste campo não há qualquer eficácia desta norma.”
Não se pode conceber, portanto, que o acesso à Justiça, amplamente consagrado em nossa Carta Constitucional e implementado por legislações infraconstitucionais posteriores, seja impulsionado de forma irresponsável e sem fundamentos. Aceitar a tese suicida de que primeiro se deva provocar o Judiciário para somente no curso do processo verificar se é possível ou não arrebanhar algum tipo de prova que venha estabelecer a visualização do assédio moral é revelar o oportunismo e a má fé incompatíveis com a posição da Justiça no Estado Democrático de Direito.
Preocupo-me, pois, com tais procedimentos que, muitas vezes, maculam o nome de pessoas físicas e jurídicas sem nenhum fundamento, além de enfraquecer a perfeita delineação do assédio moral enquanto instituto jurídico pendente de consolidação.
Assim, a vítima tão logo perceba o desenvolvimento de um processo de assédio moral, deverá catalogar todas as provas necessárias à demonstração futura de tal situação. Bilhetes, memorandos, anotações referentes a datas e eventos relacionados, testemunhas, gravações, laudos médicos etc.
Sempre é bom salientar que não há ilicitude algum em se gravar as ofensas, na hipótese de ser a vítima um dos elementos interlocutores. O que jamais poderá ser considerado como prova lícita, tendo inclusive o potencial para responsabilizar seus autores, é a gravação de conversa alheia, a interceptação telefônica ou o documento ou escrito conseguido de forma fraudulenta ou lesiva.
No entanto, o objetivo do presente artigo não é enumerar e desenvolver as diversas hipóteses de provas envolvendo situações de assédio moral, tema este que cuidaremos futuramente, mas alertar acerca dos fatores negativos relacionados às demandas temerárias e inconsistentes relativas ao psicoterror laboral.
Logo, de nada adiantará se levar adiante a pretensão de reconhecimento do assédio moral se não houver o mínimo de conteúdo probatório necessário a demonstrar a situação em juízo. Sabemos que muitas vezes o processo de assédio moral realmente ocorreu, mas se a vítima não possui a mínima condição de arrebanhar as provas necessárias a comprovar o alegado, uma demanda judicial somente lhe trará dissabores e desgastes, contribuindo de forma negativa para a consolidação do fenômeno no mundo jurídico.
Neste contexto, a magistral lição de Voltaire não pode ser esquecida:
“O interesse que tenho em acreditar numa coisa não é prova da existência dessa coisa.”
Desta forma é importante que discutamos as experiências das vítimas de assédio moral, até mesmo para fins de estatísticas e formatação do fenômeno. No entanto, a busca do Judiciário para reconhecimento do ressarcimento dos prejuízos suportados, na órbita moral e/ou material, só deve ser envidada quando a vítima efetivamente possui alguma substancialidade em termos de provas a demonstrar os pontos relevantes do evento lesivo. Cabe, portanto, ao advogado analisar a hipótese e bem orientar seu cliente a respeito, contribuindo desta forma para o desenvolvimento, consolidação e credibilidade do assédio moral, como processo carreador de relevante potencial lesivo, não só ao trabalhador como também em relação a toda sociedade.
Fonte: www.direitonet.com.br
Autor: Jorge Luiz de Oliveira da Silva
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