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Vagabundos

Talvez ninguém mais tenha interpretado com tanta maestria a figura do vagabundo que Chaplin. 

De origem pobre, sofreu com as agruras e mazelas que o capitalismo de sua época produziu e, segundo alguns pensadores, ele nem deveria existir, já que se um miserável não conseguisse sustentar um filho nos moldes das ideias capitalistas, não deveria ter o direito de tê-lo. 

Em “Tempos Modernos” um filme de 1936, dos Estados Unidos, o cineasta Charlie Chaplin encarna o seu famoso personagem "O Vagabundo" (The Tramp) que tenta sobreviver em meio ao mundo moderno e industrializado. O roteiro é considerado uma forte crítica ao capitalismo, stalinismo, nazi fascismo, fordismo e ao imperialismo, bem como uma crítica aos maus tratos que os empregados passaram a receber durante a Revolução Industrial. Não à toa, Carlitos fora considerado persona "non grata" durante muito tempo por lá, vindo a ter a sua obra reconhecida pela Academia somente quase no final de sua vida.

Thomas Malthus, economista da escola do pensamento clássico, propunha uma solução para as causas da miséria: sustentava que isso deveria ocorrer através do controle sobre os miseráveis. Malthus acreditava que esse controle deveria vir através de uma restrição moral, ou seja, aquelas pessoas que não pudessem sustentar seus filhos deveriam não tê-los e nem tão pouco se casar; as guerras e as doenças seriam justificadas como importantes agentes de controle de natalidade sendo a pobreza, um castigo pela sua incapacidade de sobreviver no mundo capitalista. Daí, por que o governo não ajudar os miseráveis que assim, pereceriam - solucionando a questão.

Já, nos primórdios da Administração, em sua Abordagem Clássicaum dos seus principais elementos ou função é, exatamente o controle da produtividade, porque segundo Fayol "o ser humano é naturalmente preguiçoso (vagabundo)" então, precisaria de alguém que o fizesse produzir para que o capitalista acumulasse seus lucros. 

Tal forma mecanicista de enxergar o mundo, tratando o indivíduo como uma ferramenta e desconsiderando a sua humanidade, encontrou antagonistas e promoveu convulsões sociais que desaguaram em direitos e garantias conquistados às custas de muito suor, sangue e dor - debaixo das botinas e cassetetes da polícia a serviço dos poderosos - aliás, como até hoje, e comicamente retratado em inúmeros filmes do Vagabundo.



Pense agora no conceito de Ócio Criativo - título de um texto do cientista e sociólogo italiano Domenico De Masi que é também um revolucionário conceito de trabalho. A ideia de ócio criativo foi proposta pelo professor e sociólogo no meio da década de 90. Basicamente, o ócio criativo é uma maneira inovadora de definir o trabalho. Hoje, o termo evoluiu para disrupção e singularidade.

No livro O Ócio Criativo, de Masi demonstra como alegria e satisfação pessoal no dia a dia aumentam a criatividade, que por sua vez faz crescer o potencial de imaginação necessário a um melhor desempenho produtivo no trabalho. Ele diz: "Existe um ócio alienante, que nos faz sentir vazios e inúteis. Mas existe também um outro ócio, que nos faz sentir livres e que é necessário à produção de ideias, assim como as ideias são necessárias ao desenvolvimento da sociedade." 

A grande maioria das pessoas confunde ócio com preguiça. A principal diferença é que o ócio pode gerar produtividade e ter alguma significância; a preguiça é insignificante por si só. Ao contrário do que muitos acreditam, ócio criativo não significa fazer nada. Por ócio criativo, entende-se a união entre trabalho, estudo e lazer, de forma que alguém possa experimentar a riqueza gerada pelo trabalho, o conhecimento ocasionado pelo estudo e a alegria proporcionada pelo lazer.

Perceba, então que o conceito de produtividade, do ponto de vista capitalista, sempre teve - por parte dos donos do capital - as ideias que eles determinavam e impunham. Inclusive na questão moral, apoiada pelos clérigos, sobretudo, os protestantes, berço da burguesia, pretendendo programar a consciência do proletário para que se sujeitasse a todo tipo de ordem, ainda que absurda ou abusiva, sem contestar, porquanto entraria em pecado sendo tentado pelo Demônio.

A subserviência era o caminho ao paraíso, ainda que sob o custo de exaustivas dezoito horas de trabalho, em sub-condições, enquanto pastores, empresários, e as recatadas do lar davam ações de graças, diante de suculentos e bem condimentados leitões saboreados, sem que não faltassem os melhores vinhos de safras esplêndidas, cujos mostos eram esmagados por órfãos que deveriam se contentar com pequenas porções de rações que os bondosos patrões lhes forneciam - sendo gratas por tamanha bondade - OH, Glóriaaaa!!!!

Responda rápido: qual é a empresa em termos de bilhões de dólares ocupa as primeiras posições entre as mais valiosas do mercado? Pensou Apple e Google? Acertou. Curiosamente sua forma de administrar e controlar seus funcionários não segue nenhum modelo ortodoxo como os, já esgotados, da maioria das empresas com sistemas hierárquicos piramidais, inflexíveis. 

Sobretudo, aqueles da administração pública, onde não há um sistema de mérito para que o ocupante do cargo desempenhe suas funções, mas cabides de emprego; sem contar a farra dos cargos comissionados (que sobrecarregam as empresas públicas) e se forem empresas de sociedade de economia mista, salvo exceções (desconheço alguma), ainda são infectadas por gestores incompetentes, indicados políticamente e seus assessores parasitas - onde a fraude, a corrupção, o enriquecimento ilícito, a “troca de favores” e a ilegalidade são marcas destas administrações.

Numa empresa dessas, aqui de Santos, por exemplo, a coisa descambou de tal maneira que um gestor aventureiro - O Ditador -decidiu encabeçar uma série de demissões arbitrárias ao arrepio da lei. 

Diferentemente das empresas privadas, que não podem se conduzir pela ilegalidade, mas podem fazer o que a lei não proíbe. Tais empresas públicas estão amarradas às normas sendo a discricionariedade de seus atos limitada exatamente pela lei. Seus gestores, por outro lado, não podem agir conforme seu bel prazer, mas pela impessoalidade que preserva o princípio da isonomia e atende ao interesse público - que se sobrepõe ao privado.

Em síntese, o empregado público pode ser demitido, sobretudo, se for comprovada (sem margem de dúvidas) a chamada desídia e ineficiência do mesmo, após passar por um processo administrativo, que lhe garanta o direito ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal – tudo isso, para que se caracterize a motivação: ou seja, sua demissão deve ter uma justa causa. 

Sob a falácia de uma reestruturação tal gestor, então, descompromissado com a empresa, a sociedade e a coisa pública, passou a agir à revelia das normas. Tal atitude gerou pânico entre os empregados que passaram a conjecturar sobre os motivos de tais demissões e, como se sabe, é neste instante que os “gênios” se sobressaem e a caça às bruxas começa.

"Vagabundo" foi o termo mais utilizado para designar quem está sob o ataque da injustiça desconsiderando a família, os sentimentos e a real circunstância por trás do arbítrio em total desrespeito ao colega - que deveria estar recebendo apoio- pois se hoje é ele, amanhã poderá ser o falastrão. Porque no futuro o desrespeitador colega poderá também estar entre a lista de demitidos? Pelo arbítrio como se deu tal atoA empresa não formalizou categoricamente nenhuma razão, mas simplesmente fez o impensado.

E os representantes eleitos para intermediar junto ao gestor reivindicações das categorias? Sumiram, se aquietaram, quando não, reproduziram/ endossaram as palavras do inconsequente administrador. Por outro lado, colegas que não saem nas fotos e nem recebem votos foram solidários e imediatamente correram junto ao sindicato para apoiar seus colegas.

Dizer que alguém é vagabundo é expressar uma opinião que, a priori, é tida como sua embora demonstre uma ideologia que se dissemina na sociedade desde as revoluções liberais/industriais e desde lá, só fortalecem aqueles que detém o poder. 

Acontece que ao reproduzir o comportamento do controlador o indivíduo sugere ao seu inconsciente que é igual a ele e, em um mundo de fantasia e fetiche, embarca numa viagem onde se vê em seu lugar. Há também a ideia de que se houver alinhamento com o discurso do abusador isso angariará a sua simpatia que o preservará amanhã.

Então, vagabundo é um termo ambíguo, abrangente e subjetivo demais, dando margem para uma infinidade de interpretações:


  • Para eles (os puxa sacos) é o colega “desidioso”; 
  • Para mim pode ser o gestor corruptoímprobo, o colega golpista que armou para derrubar chefes e tomar-lhes o lugar;
  •  A funcionária cafetina que agenciava garotas de programa para as farras de diretores; 
  • Pode ser também, os quase 300 empregados em cargos comissionados; 
  • Ou, o superintendente ímprobo; 
  • E também o gerente assediador moral. 
Enfim...vagabundo pode ser muito mais coisas como essas que tornariam o outro... vagabundo, por comparação, um super e eficiente empregado -  ou, como Chaplin, um mestre do riso.

Quem sabe agora o vagabundo demitido injustamente não tenha mais tempo para fazer jus ao seu ócio criativo e expor os outros vagabundos em sua vagabundagem. Não seria mais inteligente tê-lo mantido vagabundando sob monitoramento? Bem, tenho mais “o que fazer”, pois tenho que me encontrar com “O Menino”...
Raniery

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