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Violência invisível


Recentemente acompanhamos atônitos o acidente ocorrido na província japonesa de Fukushima, onde a usina nuclear local teve seus reatores explodidos como conseqüência do tsunami que por lá se abateu.

A Irradiação é a energia característica emitida por uma fonte radioativa. O objeto ou ser vivo que recebe essa energia está sendo irradiado. A radiação age de forma invisível, ou seja, ela atravessa pelo corpo humano e aí produz os efeitos nefastos que levará à morte, em determinado momento, quem por ela for contaminado.

Existe, no entanto, um tipo de ação- que também é imperceptível- muito similar à radiação nuclear: é invisível, gélida, feita de desvalorização, cheia de subentendidos e de ofensas. Os reatores desse mal são pessoas que possuem um caráter perverso em seu interior, e, quando o exterioriza, contamina quem estiver em seu raio de ação.

Sua atividade se dá por meio de ondas ou ciclos repetitivos que bombardeiam suas vítimas sem que ela consiga se recuperar, e independentemente do que faça para aplacar a “ira” do agressor, nada o faz parar. Por um momento a pessoa agredida se confunde e acredita ser ela a origem da hostilidade que lhe é direcionada; o próprio grupo reforça essa idéia.

Com a repetição contínua e ininterrupta da violência a ação devastadora se instala na alma e produz as mais diversas reações e até mesmo doenças emocionais.

A estratégia do agressor se desenrola no universo do subjetivo, isto é, na maioria dos casos somente os dois lados antagônicos é que sabem a verdade sobre o que está ocorrendo.

O perverso (a), em sua covardia, não ataca de forma direta ou ostensiva, mas faz ameaças veladas ou manipula pessoas conhecidas que se tornam porta vozes que levarão o pânico por meio de recados com embalagem de bons conselhos.

Se há uma coisa que dá prazer a um predador social é torturar sua presa de forma sutil: chantagens, ameaças veladas, intimidações com o objetivo de fazer com que o indivíduo destrua- se emocionalmente. Os sinais de hostilidade estão permanentemente presentes e se dão por meio da frieza, indiferença ou arrogância e finge-se que nada está acontecendo.

Quando o agressor está diante de testemunhas age de forma imperceptível para não ser identificado,  utilizando de todo o seu cinismo. Pode até recuar diante de reações de resistência pra não despertar a atenção dos demais. Se essa reação vier da parte da vítima, e for agressiva, então a tática será a de se fazer de vítima e inverter o jogo: é a agressividade predadora, exatamente como se fosse uma selva e ali se desenrolasse instintos de sobrevivência de presa e predador. A coisa se desenrola de forma premeditada onde se escolhe uma vítima e passa- se a persegui- la até o abate. Não há pausa e nada do que o perseguido faça aplaca o ataque: é preciso satisfazer o instinto destrutivo do agressor.

É importante destacar que, via de regra, essa relação se dá de forma desigual, assimétrica, sem condições iguais de força, por isso que a covardia atinge seu pico máximo de expressão.

No momento em que o outro satura- se deste jogo e não mais se submete, há, por parte do agressor, uma reação de indignação, no mínimo estranha e bizarra, pois ele entende que a vítima não teria o direito de reclamar ou defender- se da agressão. Nesse instante o atacado passa a ser uma ameaça, e quem antes era algoz, passa a desempenhar o papel de vítima da história. Desse ponto em diante instala- se uma espécie de paranóia entre os personagens, onde a visão da pessoa odiada provoca no agressor uma raiva fria e no perseguido, o medo.

O agressor costuma exteriorizar verbalmente suas intenções em frases como: “... de agora em diante não sossegarei enquanto não destruí- lo”; “Fulano de tal é a bola da vez...”, e por aí vai. Essas frases demonstram muito bem a cultura perversa que se instalou e virou rotina em determinado meio.

Vale dizer que este ciclo não tem fim e não para sozinho por causa dos mecanismos patológicos de vítima/agredido que se ampliam. O perverso se torna cada vez mais humilhador e a vítima cada vez mais impotente e ferida.

Na agressão perversa há uma dificuldade em se provar o que ocorre e quase nada permite constatar o que se passa: é uma violência limpa.

Quando algo sai errado, como por exemplo, a vítima dar visibilidade através de denúncia a órgãos competentes e sob a orientação de um advogado, a coisa passa a mudar de configuração e pode neutralizar o processo. Esse pequeno detalhe faz toda a diferença e poe o assediador em polvorosa, mas nada que altere seu caráter maligno, pois irá tentar de todas as formas se desvencilhar das acusações e, se encontrar alguma brecha, pode ter certeza de que o fará, daí a importância de, mesmo sob pressão, elencar o máximo possível de fatos e provas que apontem para a violência caracterizando- a.

Hoje, nosso sistema judiciário está bem equipado pra identificar os indícios dessa modalidade de dano, aguardando o legislativo defini- La como tipo. O que se deve fazer é buscar a orientação necessária pra desenvolver uma estratégia de defesa eficaz que anule a ação insidiosa.

Por tudo o que foi exposto, estamos diante de um tipo de violência das mais perversas e cruéis que causa efeitos devastadores sobre quem é dirigida. Por isso, toda informação e consultoria de profissionais qualificados, sejam jurídicas ou médicas/comportamentais, são importantes para que se possa reagir a tempo.

Seja qual for o tipo de ameaça que um cruel faça não se deve submeter- se a ela, pois de nada adiantará porque ele já se decidiu sobre o que fazer. O que se deve ter em mente é que devemos reagir de forma inteligente por mais difícil que isso possa parecer.


Raniery
raniery.monteiro@gmail.com

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