Pular para o conteúdo principal

Mentes que assediam


É discurso comum dizer que as leis possuem muitas brechas dando a entender que o Direito se esgota nas leis e não que estas são apenas uma de suas fontes. Na realidade o Direito cobre todas as ações humanas disciplinando-as não deixando os ditos direitos subjetivos somente nas mãos dos legisladores. Sendo assim, os princípios do Direito, a jurisprudência, os costumes etc. somarão ao todo para proteger valores que não podem ser negligenciados.

Posto isso, pode-se dizer que o assédio moral não encontra legislação vigente que o regule na esfera federal, mas nem por isso não será objeto de avaliação jurisdicional que o interpretará por analogia levando em conta os princípios dos diversos diplomas legais que a despeito de parecerem atuar em separado mantêm uma unidade harmônica, sobretudo no que diz respeito à lei maior e norteadora que é a Constituição Federal.

Se prestarmos atenção no que é o assédio moral, logo chegaremos à conclusão de que ele contém em si características que apontam para uma conduta ilícita, uma postura negativa, uma atitude réproba já que trás com ele o mesmo tipo de violência que se vê nas demais modalidades como o bullying, a xenofobia, o racismo, a homofobia, ou seja, um caráter segregador, separatista, discriminador. Ataca-se o outro por alguma diferença que produza alguma ameaça interna na mente do agressor.

A diferença para as outras formas de violência é que esta se dá de forma subreptícia, insidiosa, camuflada, pois o assediador não pode ver sua imagem de líder carismático arranhada diante do grupo, e, em um processo elaborado, engedra toda uma forma de projeção sobre o outro que leva todos a crerem que este é o provocador de tais indisciplinas e que aquele precisa corrigí-lo senão, a equipe ruirá.

Desta maneira, estigmatiza-se o trabalhador retirando-lhe qualquer mérito ou qualidade; critica-se até o ponto da internalização e consequente insegurança; induz-se ao erro e promove-se a comunicação perversa que o levará a ser desacreditado pelo grupo. Neste ponto o medo já se instalou, tanto na vítima quanto no grupo que entendeu que a mensagem dita é para não ser como aquela pessoa, não só porque é um modelo que a empresa rejeita, mas que acontecerá o mesmo com todo aquele que seguir seus passos. O curioso é que até bem pouco tempo o agredido era elogiado e tido como uma referência de dedicação e competência.

O objetivo de toda ação de assédio moral é ferir a dignidade, a personalidade e a honra do trabalhador, desestruturando seu ambiente de trabalho, humilhando-o de todas as formas para que se veja acuado e desista de seu emprego ou que seja demitido injustamente. Daí dizer-se que há a caracterização do dano a um direito subjetivo e personalíssimo. E o que o Direito diz sobre isso? Que quem lesou direito tem o dever de indenizá-lo. Não se discute isso. Está sedimentado. É um pressuposto.

Em relação ao dito acima, lembro-me de alguns assediadores que pensando estar argumentando, mas na realidade demonstrando sua ignorância e medo, pediam para seus porta vozes tentarem dissuadir-me dizendo que caso lançasse mão do meu direito de pedir a intervenção jurisdicional poderia prejudicá-los, pois seriam demitidos. Minha resposta era: já que sabiam que poderiam sofrer alguma punição, por que é, então, que assediavam?

Portanto, o assédio é um ilícito apesar de não estar devidamente legalizado, mas nem por isso deixa de ser objeto de apreciação e regulação pelo Direito visando preservar valores maiores que ele próprio, como a dignidade da pessoa humana, por exemplo. Combatê-lo, além de ser um ato de cidadania também é o da preservação de direitos fundamentais indisponíveis.

raniery.monteiro@gmail.com
http://mentesalertas.tumblr.com/

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Eu, eu mesmo e...somente eu!

Nada é mais difícil de lidar que uma pessoa narcisista . Elas se acham a última azeitona da empada e acreditam que as pessoas existem para lhes servir.  Se arrogância pouca é bobagem, imagine, então, um ambiente que lhe proporcione manifestar a totalidade de sua megalomania. No filme de animação, Madagascar, há dois personagens que traduzem perfeitamente o estereótipo do narcisista: o lêmure, rei Julian e Makunga o leão ambicioso e ávido pelo poder. O rei dos lêmures, Julian, se ama e se adora e acredita firmemente que tudo acontece em sua função. Com uma necessidade incomum de ser admirado faz de tudo para aparecer e chamar a atenção. Já o leão Makunga encarna o tipo de vilão asqueroso, dissimulado e traiçoeiro que sempre está planejando algo pra puxar o tapete do leão alfa. Nas relações onde o assédio moral é forma de interagir, tais figuras estereotipadas e sem noção aparecem por trás de atos inacreditáveis de egocentrismo crônico.  Não podem ser contraria

Help Me Dr!

Viver é um processo de interação contínua e de exploração da realidade que está diante de nós. Sendo assim, aquilo que se apresenta e aparece diante de nossos olhos como real, nem sempre é de óbvia interpretação, encobrindo contextos mais complexos do que imaginaríamos, principalmente sob a superfície. Tampouco, significa isso dizer que não possamos identificar os elementos subjacentes de tal fenômeno. Que o assédio moral é um tipo de abuso tão antigo quanto o homem, não se discute, no entanto, nem sempre sua identificação (em termos de fatores) é tão simples, daí porque se dizer que é subjetivo. Inúmeras teorias dos especialistas emergem a cada momento e me permito levantar as minhas hipóteses, muito menos pra estabelecer um grau de informação científica, muito mais para suscitar em você a discussão sobre o tema. Pra fazer isso gostaria de utilizar os recursos da ficção científica para criarmos um contexto que nos possibilite explorar as inúmeras possibilidades que o fenô

Ninguém chuta cachorro morto

A expressão significa que as pessoas não atacam quem não tem valor, é insignificante, medíocre, mas alguém que possui características ou qualidades que incomodam e por isso as ameaça, daí porque utilizarem deste recurso numa tentativa de a diminuírem de alguma forma ao mesmo tempo em que se projetam. É da natureza de determinadas pessoas, que por uma inadequação interna, sentirem-se inferiores a outras, não pela suposta superioridade destas, mas pelo seu desajuste psicológico. Por isso, para alcançar o equilíbrio de seus centros emocionais praticam uma espécie de projeção imputando ao alvo de sua fúria seus próprios fantasmas internos. Este recalque as leva, então, a inventar boatos, viver em mexericos pelos cantos, disseminar a intriga e semear a discórdia contra a pessoa que vêm como sua competidora natural. E como se sabe que o problema é do desajustado? Simples: percebendo que a cada momento se elege um novo candidato ao posto de alvo. Sempre alguém não prestará ou será