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Doce lucro, amargo meio!


Rapadura é doce, mas não é mole não!

O sistema econômico brasileiro em seus primórdios baseou-se na cultura de cana de açúcar utilizando mão de obra escrava. Ao redor dos engenhos apareciam verdadeiras cidades e comunidades inteiras passavam a depender deste tipo de lavoura.

Eram os escravos que forneciam a mão de obra necessária para que este tipo de empreendimento desse certo e sem eles as coisas não seriam as mesmas. Esses trabalhadores (homens, mulheres, crianças, idosos) eram tratados como coisas, posses, ferramentas ou peças como eram chamados.

Posteriormente foram os colonos e na sequência os migrantes que passavam, então, a viver em subcondições e, com a mecanização da lavoura evidenciada pelo progresso, foram aos poucos sendo descartados- sendo substituídos por máquinas muito mais eficientes e com menor custo.

Sistema capitalista e o assédio moral

Perceba que a coisificação do ser humano não é novidade e com a ascensão do capitalismo, isso não mudou, ao contrário é um pressuposto, já se tornou um concentrador de renda e produtor de exclusão social. Aqui é o caso em que para um ter muito, muitos trabalham para ele, ganhando muito pouco, e, desta forma, o abismo social se evidencia.

Vários modelos de administração foram propostos, mas todos não se afastam destas premissas. Dessa forma, o trabalhador é encarado como um meio e não como ser humano na plenitude de sua natureza. É visto, como uma peça; Substituível; corte de custos, enfim, apenas uma forma de se atingir o lucro pretendido.

Ocorre que, com esse pensamento, surge uma frieza formal que permite que situações de perversidade e crueldade sejam entendidas como coisa normal e parte da relação contratual. Qualquer resistência a esse modelo é imediatamente sufocada com intimidações e ameaças e o trabalhador passa, então, por processos humilhantes de degradação de sua condição e direito ao trabalho.

Como coisas que são (segundo o sistema) os trabalhadores que não aceitarem estas “regras” sofrerão o assédio moral que tem como objetivo forçá-los a abandonar seus empregos e assim não gerar maiores custos de ordem social para as empresas. Estas os contratam para que produzam ao máximo. E quando já as sugaram até seu ponto de saturação são descartados como se nada fossem mesmo com anos de dedicação.

O cachorro pode lamber o pé do dono, mas não se tornará filho dele

É importante notar que o dono do capital não divide com outros sua posição numa relação de poder, sobretudo, econômica. Ora, sendo isto verdade, é razoável crer que nenhum outro, ou apenas alguns poucos, terão a mesma condição que ele, pois sua lógica não se processa desta forma. Sabe-se que o capitalismo não é afeto a valores e princípios de ordem moral ou escrupulosa, muito mais próximo de condições propícias à corrupção, fraudes e esquemas, pois neste universo os fins justificam os meios e a ética não se casa muito bem dentro destes contextos.

Em determinadas empresas, por exemplo, gestores contratam terceiros como mecanismos de corte de custos, mas que na realidade funcionam como forma de enriquecimento ilícito. Com contratos superfaturados e camuflados em seus controles contábeis e fiscais o corrupto embolsa determinados valores e força seus subordinados a trabalhar dobrado para cobrir o número real de terceiros que ficou escondido pela fraude. É o mesmo processo importado das empresas e órgãos públicos nas licitações fraudulentas. A implicação imediata disso é que o trabalhador sobrecarregado que se rebelar será esmagado e expulso da empresa via ações igualmente forjadas para encobrir a realidade.

Hobbes e o homem como lobo do homem

Em “O leviatã” Thomas Hobbes já teorizava que os homens em seu estado natural (instintivo) são lobos de si próprios, isto é, se devoram e se destroem, mas, no momento em que tomaram consciência de sua sociabilidade passam a estabelecer um contrato social regulado pelo Estado ao qual entregam parte de sua liberdade.

Acontece que esse lado, digamos mais instintivo, de certos homens, sobretudo motivados pela ganância ainda hoje torna atuais as ideias do contratualista. Basta consultar os bancos de dados jurídicos para constatar a quantidade de ações decorrentes de assédio moral para constatar que os abusos acontecem todos os dias.

Não obstante as demandas de processos no judiciário trabalhista, certos empresários ainda insistem em manter este tipo de relação antiética em suas empresas que por serem os seus criadores pressupõem poder absoluto e que estão acima das leis exatamente como pensavam os senhores de engenho do Brasil colônia. Tocam seus negócios pela lei da chibata e quem quiser que se adeque ou senão, rua! Subestimam as pessoas e seus direitos à ação amparada constitucionalmente. Nestes ambientes não há programas preventivos ou educacionais para correção da situação, ou, quando há, torna-se mera formalidade como no caso da empresa pública em que trabalho.

Verdade é que de nada adianta cursos de MBA ou campanhas motivacionais alegarem um novo modelo de gestão se na prática o que se vê é o bom e velho capitalismo predatório em ação. Um tipo de capitalismo que promove o assédio moral já que só se importa com o lucro e não com a dignidade da pessoa humana, logo, estabelece relações desiguais sendo necessária a intervenção do Estado juiz para restabelecer o equilíbrio.  
   
Conclusão

Ao longo dos tempos homens e mulheres de todas as eras tiveram que lutar contra os arbítrios de tiranos que buscavam no controle do outro o estabelecimento de seu poder. Isso ainda não acabou, portanto, se faz necessário que o poder de resistência de cada cidadão(ã) se revigore e se manifeste contra a perversidade e crueldade, pois, nas sombras e tocas 
somente as presas vulneráveis é que
se encontram.
Raniery

raniery.monteiro@gmail.com

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